Estudar e viver o feminismo trouxe muitos amores para minha vida. Acima de tudo, trouxe muita reflexão e consciência a respeito do mundo. Uma autora a quem me apeguei recentemente trata-se da irmã outsider Audre Lorde, que escreveu a célebre frase "do que mais me arrependo são dos meus silêncios".
Nas noites viradas de escrita de dissertação, persegui cantos de traduções e não-traduzíveis textos sobre conceitos, vidas e reflexões. Spivak tem maravilhosas leituras sobre este caso, uma delas é este texto. Ela mesma escreve que não ministra aulas com textos em que não consiga ler o original.
Há algum tempo questionava colegas que se importavam tanto com traduções - que coisa de filósofos! Ainda questiono. Na verdade, acho que, muitas vezes, há casos em que não há necessidade de tanta atenção. Mas, ainda no feminismo, Haraway chamou atenção ao escrever um verbete para um dicionário alemão sobre a palavra "gênero". Ela alerta que antes da tradução - ou mesmo dentro da tradução - existem histórias, vidas, seres (neste caso, uma política sexual da palavra). Gênero pode significar algo em inglês (genre) diferentemente de espanhol (género), alemão (Geschlecht) ou português.
Passei, portanto, a olhar as palavras com outros olhos. Olhos de passarinho. Por falar em passarinho, que venha Manoel Barros, para voltar às divagações do início do texto:
E às voltas com a questão da tradução:
No fim das contas, tudo é tradução, mas nada é traduzível. Spivak vem aqui contar que iniciamos nossos sistemas de tradução ainda crianças, absorvemos e traduzimos. A forma como contamos as coisas é uma tradução, podem ser histórias, podem ser textos, conceitos ou teses. A nossa tradução das coisas.
E, foi assim, de mansinho, que me veio o feminismo contar (em especial, o feminismo negro): é necessário falar sobre outras histórias, já vivemos demais uma só história - aquela história única. Vamos lá, contar outras histórias. E, ao invés de nos arrepender dos silêncios, reivindicar as falas, as histórias, os conceitos. Vamos fotografar o silêncio que já vivemos e torná-lo verbo.
Pra finalizar, Chimamanda Adichie falando belamente sobre isso.
Audre Lorde em cena do documentário ‘Audre Lorde: The Berlin Years 1984 to 1992’. (Fonte: blogueiras feministas) |
Nas noites viradas de escrita de dissertação, persegui cantos de traduções e não-traduzíveis textos sobre conceitos, vidas e reflexões. Spivak tem maravilhosas leituras sobre este caso, uma delas é este texto. Ela mesma escreve que não ministra aulas com textos em que não consiga ler o original.
Há algum tempo questionava colegas que se importavam tanto com traduções - que coisa de filósofos! Ainda questiono. Na verdade, acho que, muitas vezes, há casos em que não há necessidade de tanta atenção. Mas, ainda no feminismo, Haraway chamou atenção ao escrever um verbete para um dicionário alemão sobre a palavra "gênero". Ela alerta que antes da tradução - ou mesmo dentro da tradução - existem histórias, vidas, seres (neste caso, uma política sexual da palavra). Gênero pode significar algo em inglês (genre) diferentemente de espanhol (género), alemão (Geschlecht) ou português.
Passei, portanto, a olhar as palavras com outros olhos. Olhos de passarinho. Por falar em passarinho, que venha Manoel Barros, para voltar às divagações do início do texto:
Difícil fotografar o silêncio.
Entretanto tentei. Eu conto:
Madrugada, a minha aldeia estava morta. Não se via ou ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas. Eu estava saindo de uma festa.
Eram quase quatro da manhã. Ia o silêncio pela rua carregando um bêbado. Preparei minha máquina.
O silêncio era um carregador?
Estava carregando o bêbado.
Fotografei esse carregador.
Tive outras visões naquela madrugada. Preparei minha máquina de novo. Tinha um perfume de jasmim no beiral do sobrado. Fotografei o perfume. Vi uma lesma pregada na existência mais do que na pedra.
Fotografei a existência dela.
Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo. Fotografei o perdão. Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa. Fotografei o sobre.
Foi difícil fotografar o sobre. Por fim eu enxerguei a nuvem de calça.
Representou pra mim que ela andava na aldeia de braços com maiakoviski – seu criador. Fotografei a nuvem de calça e o poeta. Ninguém outro poeta no mundo faria uma roupa
Mais justa para cobrir sua noiva.
A foto saiu legal.
BARROS, M. Ensaios fotográficos. Rio de Janeiro: Editora Record, 2000.
E às voltas com a questão da tradução:
Tout est traduction, rien n'est traduisible. - Barbara Godard
No fim das contas, tudo é tradução, mas nada é traduzível. Spivak vem aqui contar que iniciamos nossos sistemas de tradução ainda crianças, absorvemos e traduzimos. A forma como contamos as coisas é uma tradução, podem ser histórias, podem ser textos, conceitos ou teses. A nossa tradução das coisas.
E, foi assim, de mansinho, que me veio o feminismo contar (em especial, o feminismo negro): é necessário falar sobre outras histórias, já vivemos demais uma só história - aquela história única. Vamos lá, contar outras histórias. E, ao invés de nos arrepender dos silêncios, reivindicar as falas, as histórias, os conceitos. Vamos fotografar o silêncio que já vivemos e torná-lo verbo.
Pra finalizar, Chimamanda Adichie falando belamente sobre isso.
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