Steven J. Jackson desenvolve um texto preciso e fácil de ler, com exemplos práticos do que significa um mundo fraturado e porque repensar o reparo/reciclagem é importante na atualidade. O exemplo da Apple, sua saída da EPEAT (e, posteriormente, seu retorno), com tecnologias que não podem ser reutilizadas, melhoradas ou recicladas não poderia ser mais atual, com o desenvolvimento de atuais celulares em que não podemos, por exemplo, comprar uma nova bateria quando a original "vicia". A obsolescência programada é fato consumado de quem vive nas grandes cidades brasileiras - é claro que nossa realidade metropolitana nos faz, por vezes, esquecer - ou sequer, "ter conhecimento" - que 46,5% da população brasileira não tem acesso à internet (PNAD, 2014); essa outra população, por exemplo, vive mais do reparo, da reciclagem do que nós - cidadãos das grandes cidades - é também, como mencionou o autor, através do "reparo" que a "inovação" pode existir; a inovação, pois, não se sustenta sozinha.
Rethinking Repair
- Steven J. Jackson
Resumo.
Jackson nos alerta que seu texto sobre repensar o reparo é um exercício de um broken world. É um mundo do pensamento quebrado, fraturado, em colapso; ao invés de um pensamento sobre as inovações, o crescimento e o progresso. É, afinal, outra maneira de olhar para a tecnologia.
Pensamos num mundo 2.0, numa terra que está em volta da Contemporary Information Technology - entremeios de dois períodos paradigmáticos: século XIX, do progresso e da cultura; século XXI, do risco, da incerteza, da fragmentação.
O pensamento do mundo fraturado é normativo e ontológico, mas também é empírico e metodológico, por isso, carrega duas possíveis abordagens: das fragilidades dos mundos em que habitamos - natural, social e tecnológico - e do reconhecimento que muitas histórias e ordens da modernidade estão entrando em colapso. E outra, com uma profunda preocupação, mas, também, apreciação das atividades que estão acontecendo e sendo mantidas: um mundo em contínua desconstrução e reconstrução. Dessa maneira, as duas poderiam ser resumidas em: 1. um mundo fractal, quase em colapso; 2. um mundo em constante reinvenção.
O que sustenta esses dois mundos é o reparo. Várias questões surgem quando falamos de reparo: quem conserta os dispositivos? Quem mantem as infraestruturas? Como as ordens humanas são quebradas e reestruturadas?
A questão perpassa para o fato de que o mundo está sempre se "quebrando", com sua expressão "broken world" - mas essa quebra é produtiva através dos reparos.
Uma demonstração é o avanço do industrialismo/modernidade tardio, com o shipbreaking em Bangladesh e uma série de fotografias reunidas por Edward Burtynsky: ele retratou este cenário, que é um símbolo da globalização. Os retratos realizados por Burtynsky mostram um lado invisível da globalização: as coisas são feitas, mas elas se quebram. O fato das coisas serem feitas e d'elas quebrarem está em volta com dois outros conceitos muito discutidos em ciências sociais: poder e conhecimento.
A globalização "tardia" - assim como a percepção de que algumas sociedades recebem tecnologias "inovadoras" enquanto outras prevalecem com tecnologias de "reparo" "reciclagem" demonstram uma história secreta do colapso, da exploração, império e globalização que a navegação, literalmente, trouxe. São raízes invisíveis dos sistemas econômicos.
Temos, então, duas faces dos desenvolvimentos tecnológicos: reparo e inovação. A INOVAÇÃO vem primeiro com código dominante; o reparo vem depois, com as falhas e sistemas corrompidos. A inovação está no topo da cadeia de mudança, ligada aos mecanismos econômicos e de valor enquanto REPARO está no outro lado, mais baixo, algo tardio, que vem depois da inovação.
Mas, Jackson alerta, "essa é uma falsa e parcial representação de como o mundo da tecnologia realmente funciona", afinal, a eficácia da inovação no mundo é limitada, ela apenas funciona sendo sustentada e completa pelo reparo.
CONHECIMENTO É PODER
E poder define os critérios de visibilidade e invisibilidade, sendo que a visibilidade garante recompensa e conhecimento. O que o exemplo de Bangladesh nos mostra? Ele nos mostra que o reparo é invisível e que a inovação é visível.
A proposta de Jackson surge com a condição de pensar uma epistemologia do reparo, com conexão com o social - até mesmo variando para perspectivas marxianas, aproximando às noções de trabalho e produção. Essa epistemologia pode revelar relações de valor e trabalho que podem estar invisíveis.
REPARO É CUIDADO
RESPONSABILIDADE
Por que se importar com cuidado? Pesquisadoras e pesquisadores têm argumentado em favor de repensar as relações com os desenvolvimentos tecnológicos - na economia e na política - como a mídia e a tecnologia são produzidas, o que fazem, quem poderes e liberdades produzem e retiram. A linguagem do cuidado faz tudo isso. Alguns autores citados por ele são: Sherry Turkles, Lucy Suchman, N. Katherine Hayles, Bruno Latour e Donna Haraway.
Finalmente, "inovação, conhecimento/poder e ética do cuidado constituem elementos ou dimensões que faltam na maneira que nós, nos estudos de novas mídias e tecnologias, tipicamente pensamos sobre colapso, manutenção e reparo". Mas eles também levantam desafios a serem questionados e repensados em uma cenário de política da tecnologia. É preciso pensar em como essas ferramentas que constituem esse mundo quebrado/fraturado e o que é preciso ser feito a respeito delas - a respeito do cuidado, do reparo, da reciclagem, etc. Uma série de possibilidades (5) de discussões é apresentada pelo autor (vou pular essa parte).
Para fechar com uma chave de ouro, uma nota de Walter Benjamin sobre o quadro Paul Klees Angelus Novus em "Teses Sobre o Conceito de História" e o retrato da sociedade do progresso (uma citação incrível):
Rethinking Repair
- Steven J. Jackson
Resumo.
Jackson nos alerta que seu texto sobre repensar o reparo é um exercício de um broken world. É um mundo do pensamento quebrado, fraturado, em colapso; ao invés de um pensamento sobre as inovações, o crescimento e o progresso. É, afinal, outra maneira de olhar para a tecnologia.
Pensamos num mundo 2.0, numa terra que está em volta da Contemporary Information Technology - entremeios de dois períodos paradigmáticos: século XIX, do progresso e da cultura; século XXI, do risco, da incerteza, da fragmentação.
O pensamento do mundo fraturado é normativo e ontológico, mas também é empírico e metodológico, por isso, carrega duas possíveis abordagens: das fragilidades dos mundos em que habitamos - natural, social e tecnológico - e do reconhecimento que muitas histórias e ordens da modernidade estão entrando em colapso. E outra, com uma profunda preocupação, mas, também, apreciação das atividades que estão acontecendo e sendo mantidas: um mundo em contínua desconstrução e reconstrução. Dessa maneira, as duas poderiam ser resumidas em: 1. um mundo fractal, quase em colapso; 2. um mundo em constante reinvenção.
O que sustenta esses dois mundos é o reparo. Várias questões surgem quando falamos de reparo: quem conserta os dispositivos? Quem mantem as infraestruturas? Como as ordens humanas são quebradas e reestruturadas?
A questão perpassa para o fato de que o mundo está sempre se "quebrando", com sua expressão "broken world" - mas essa quebra é produtiva através dos reparos.
Uma demonstração é o avanço do industrialismo/modernidade tardio, com o shipbreaking em Bangladesh e uma série de fotografias reunidas por Edward Burtynsky: ele retratou este cenário, que é um símbolo da globalização. Os retratos realizados por Burtynsky mostram um lado invisível da globalização: as coisas são feitas, mas elas se quebram. O fato das coisas serem feitas e d'elas quebrarem está em volta com dois outros conceitos muito discutidos em ciências sociais: poder e conhecimento.
"É mais fácil esquecer que as formas de colapso e reparo praticadas nas praias de Bangladesh acontecem no fim de uma distribuição complexa e consequencial, com profundas e complicadas ligações para a fluidez econômica global e suas estruturas: como Doreen Massey (1994) relembra e Burtynsky afirma, algumas estão recebendo mais o fim da globalização do que outras."
A globalização "tardia" - assim como a percepção de que algumas sociedades recebem tecnologias "inovadoras" enquanto outras prevalecem com tecnologias de "reparo" "reciclagem" demonstram uma história secreta do colapso, da exploração, império e globalização que a navegação, literalmente, trouxe. São raízes invisíveis dos sistemas econômicos.
Temos, então, duas faces dos desenvolvimentos tecnológicos: reparo e inovação. A INOVAÇÃO vem primeiro com código dominante; o reparo vem depois, com as falhas e sistemas corrompidos. A inovação está no topo da cadeia de mudança, ligada aos mecanismos econômicos e de valor enquanto REPARO está no outro lado, mais baixo, algo tardio, que vem depois da inovação.
Mas, Jackson alerta, "essa é uma falsa e parcial representação de como o mundo da tecnologia realmente funciona", afinal, a eficácia da inovação no mundo é limitada, ela apenas funciona sendo sustentada e completa pelo reparo.
CONHECIMENTO É PODER
E poder define os critérios de visibilidade e invisibilidade, sendo que a visibilidade garante recompensa e conhecimento. O que o exemplo de Bangladesh nos mostra? Ele nos mostra que o reparo é invisível e que a inovação é visível.
A proposta de Jackson surge com a condição de pensar uma epistemologia do reparo, com conexão com o social - até mesmo variando para perspectivas marxianas, aproximando às noções de trabalho e produção. Essa epistemologia pode revelar relações de valor e trabalho que podem estar invisíveis.
REPARO É CUIDADO
RESPONSABILIDADE
Por que se importar com cuidado? Pesquisadoras e pesquisadores têm argumentado em favor de repensar as relações com os desenvolvimentos tecnológicos - na economia e na política - como a mídia e a tecnologia são produzidas, o que fazem, quem poderes e liberdades produzem e retiram. A linguagem do cuidado faz tudo isso. Alguns autores citados por ele são: Sherry Turkles, Lucy Suchman, N. Katherine Hayles, Bruno Latour e Donna Haraway.
Finalmente, "inovação, conhecimento/poder e ética do cuidado constituem elementos ou dimensões que faltam na maneira que nós, nos estudos de novas mídias e tecnologias, tipicamente pensamos sobre colapso, manutenção e reparo". Mas eles também levantam desafios a serem questionados e repensados em uma cenário de política da tecnologia. É preciso pensar em como essas ferramentas que constituem esse mundo quebrado/fraturado e o que é preciso ser feito a respeito delas - a respeito do cuidado, do reparo, da reciclagem, etc. Uma série de possibilidades (5) de discussões é apresentada pelo autor (vou pular essa parte).
Para fechar com uma chave de ouro, uma nota de Walter Benjamin sobre o quadro Paul Klees Angelus Novus em "Teses Sobre o Conceito de História" e o retrato da sociedade do progresso (uma citação incrível):
"Há um quadro de Klee que se chama Angelus Novus. Representa um anjo que parece querer afastar-se de algo que ele encara fixamente. Seus olhos estão escancarados, sua boca dilatada, suas asas abertas. O anjo da história deve ter esse aspecto. Seu rosto está dirigido para o passado. Onde nós vemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma catástrofe única, que acumula incansavelmente ruína sobre ruína e as dispersa a nossos pés. Ele gostaria de deter-se para acordar os mortos e juntar os fragmentos. Mas uma tempestade sopra do paraíso e prende-se em suas asas com tanta força que ele não pode mais fechá-las. Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as costas, enquanto o amontoado de ruínas cresce até o céu. Essa tempestade é o que chamamos progresso."
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